Agricultura familiar: um legado que resiste

Agricultura familiar: um legado que resiste

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A agricultura familiar é a principal produtora dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros. A terra é administrada por uma família, que emprega como mão de obra os seus membros, produz alimentos variados, com respeito ao solo e ao ecossistema, e é feito por agricultores que tem a terra como sua principal fonte de sustento. No Brasil, cerca de 4,4 milhões de famílias estão envolvidas na atividade, que é responsável por gerar renda para 70% dos brasileiros no campo segundo informações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Além disso, a Organização das Nações Unidas (ONU) estima que 80% de toda a comida do planeta venha desse tipo de produção.

A maior diferença entre o agricultor familiar e o agronegócio é que o pequeno produtor depende da terra para sua sobrevivência, enquanto o outro concentra-se no sistema de exportação. A diversidade de plantios existente no sistema familiar permite ao solo se manter saudável, já o agronegócio, depende de grandes áreas de terra e produz um tipo único de produto em grande quantidade, o que acaba esgotando os nutrientes do solo e não permite que o mesmo se recupere.

No Brasil, a agricultura familiar conta com uma legislação própria, que estabelece os conceitos, princípios e instrumentos destinados à formulação das políticas públicas direcionadas para essa atividade. O segmento é composto por pequenos produtores rurais, povos indígenas, comunidades quilombolas, assentamentos de reforma agrária, silvicultores, aquicultores, extrativistas e pescadores. O censo agropecuário de 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que a agricultura familiar emprega 10,1 milhões de pessoas e os homens ainda são a maioria, eles representam 81% dos produtores, enquanto as mulheres 19%. A faixa etária de 45 e 54 anos é a que concentra mais agricultores.

Esses pequenos agricultores são responsáveis por produzir cerca de 70% do feijão nacional, 34% do arroz, 87% da mandioca, 60% da produção de leite, 59% do rebanho suíno, 50% das aves e 30% dos bovinos. Apesar de sua importância para a produção brasileira, a maior parte dos incentivos do governo para a agricultura estão concentrados no setor agrícola industrial e pouco crédito é disponibilizado aos pequenos agricultores.

Educação, um caminho para manter o jovem na área rural

A Educação Ambiental está presente e motiva a criação de Escolas Família Agrícola (EFAs), que são grandes influenciadoras no processo. O ensino das instituições faz uso da pedagogia da alternância, onde os estudantes passam 15 dias com a família e 15 dias na escola, com variações entre aulas teóricas e práticas que envolvem os estudantes em diversas atividades rurais que condizem com a realidade dos agricultores. A ideia é que os alunos levem o conhecimento para as propriedades da família e dessa maneira, participem das decisões referentes a área rural e mantenham o legado da família no campo.

O Coordenador da Escola Família Agrícola Padre Luís Lintner de Tabocas do Brejo Velho-BA, Duílio Lopes de Oliveira, salienta que uma das maiores dificuldades é recebimento de alunos defasados pelo processo de aprendizado. “Têm regiões em os alunos chegam ao sexto ano e não estão alfabetizados direito, aí precisamos fazer um processo de trabalho para re-alfabetizar essas crianças”, comenta. Apesar das dificuldades, a escola tem buscado através do conhecimento e de parcerias, oferecer o melhor ensino para os jovens.

Duílio também é pai e sabe bem como é difícil manter os filhos no campo. Segundo ele, a EFA têm um papel importante na formação do jovem como cidadão, pois visa o protagonismo juvenil e a valorização do trabalho no campo. Muito além dos estudos, a escola oferece um modo de vida, que respeita a realidade e as origens dos estudantes e suas famílias. Para ele, é importante que os pais estimulem os filhos a buscarem o conhecimento, pois é somente com apoio e estímulo que o jovem vai se interessar pela agricultura.

As pesquisas mostram que o campo está cada vez mais envelhecido e é um grande desafio manter os jovens na área rural. Embora o cenário externo exerça influência, é o ambiente interno que conduzirá o caminho escolhido pela juventude rural, por isso, a família têm um papel importante em meio ao processo de sucessão. O diálogo e o conhecimento são importantes ferramentas nesse processo, pois através deles que se incentiva o jovem agricultor.

É o caso de Lissandro Folster, de 32 anos, de Lauro Müller, município localizado ao Sul de Santa Catarina. Filho de agricultores, ele encontrou no campo a oportunidade de ter renda com a terra e ter seu próprio negócio, fazendo o que aprendeu com os pais. No empreendimento familiar, ele trabalha com plantio de hortifruti e processamento, produz e comercializa conservas e doces de frutas e presta serviços na área rural. Ele relembra o papel da família em sua caminhada, “A família foi importante na decisão, desde o incentivo até a educação na área rural, eles cederam terras para que eu pudesse realizar plantio e cultivo”, relata o jovem. Desde 2018, ele e a esposa Suzana investiram na comercialização de alimentos produzidos pela agricultura familiar e ele aconselha os jovens que sonham em continuar no campo: “Se você quer ficar no campo, procure assistência e tenha uma boa rede de apoio na comercialização de produtos e serviços, como uma cooperativa”.

Gabriel Scherner Zanotto tem 23 anos e é a terceira geração de agricultores de sua família, junto com o pai e o avô. A família trabalha há 20 anos com agricultura orgânica, produzindo grãos, hortaliças, frutas e erva-mate. Os produtos são comercializados na Feira Ecológica do Bom Fim em Porto Alegre, em lojas de produtos naturais e cooperativas. O bom exemplo familiar, junto do bem-estar proporcionados pelo campo ajudaram Gabriel a tomar decisão de ficar na agricultura.

O jovem é formado em Técnico Agropecuário, está cursando Agronomia e constantemente busca informações para se especializar e aprimorar a produção na propriedade familiar. A família foi um importante fator para que ele escolhe-se o campo, principalmente no processo de parceria de trabalho e negócios. “A autonomia de trabalhar no meu próprio negócio, fazendo o que eu gosto de fazer, também pensar que pessoas dependem do meu trabalho para se alimentar me anima. Outro motivo muito importante é a continuidade no trabalho da minha família”, relembra.

Para Gabriel, a falta de reconhecimento por ser jovem e a resistência da família em relação às novas tecnologias e inovações nos processos de produção, são os principais desafios do jovem no campo. “Muitas vezes, as pessoas acham que por sermos jovens sabemos pouca coisa, de fato temos menos experiência, porém somos curiosos e buscamos inovar na nossa vida profissional”, comenta. Ele acredita que é através do trabalho árduo que as pessoas compreendem melhor o seu papel da juventude na área rural. Para aqueles que sonham em se aventurar na agricultura Gabriel oferece algumas dicas: “meu conselho é que permaneçam no campo, busquem especialização e inovação no seu trabalho, proporcionando assim melhor rendimento produtivo e melhor lucro. Também vale lembrar o orgulho dos pais em verem os filhos continuando o trabalho da família”.

A representatividade feminina no campo

É inegável o avanço das mulheres no campo, que desempenham um papel de grande importância para agricultura, mas foi recentemente que elas conquistaram o reconhecimento que merecem. Em um setor com constantes mudanças e evoluções, as mulheres exercem uma função fundamental. Na vida de Carine Effting Baasch, de 23 anos, o amor pelo campo foi transmitido de geração para geração e com união e o apoio familiar, ela resolveu investir. Para a agrônoma, o trabalho no campo é gratificante e auxiliar a família, que trabalha com bovinocultura leiteira, piscicultura e reflorestamento, é importante, além disso, a área rural lhe garante qualidade de vida.

Para a jovem, a resistência da família diante de novas ideias e da tecnologia, assim como, os altos investimentos tecnológicos, são grandes desafios. Apesar da dificuldade, ela mantém a esperança, a dedicação e ama o trabalho que realiza. Para as mulheres que desejam seguir na área rural, as palavras-chave de Carine são conhecimento e criatividade.  “Busquem conhecimento técnico e aproveitem as oportunidades para adquiri-lo. Copiem das outras propriedades aquilo que já deu certo e sejam criativos em ter ideias que se adaptem na sua própria propriedade, mas sempre mantendo os ‘pés no chão’ e agradeçam a Deus”.

Desde 2016, a engenheira agrônoma Joana Zampronio Bett Nascimento passou a oferecer para as pessoas, no conforto de seus lares, alimentos livres de agrotóxicos e fertilizantes, limpos, seguros e saudáveis. A ideia ganhou apoio e força da dona Oneide Zampronio Bett, mãe de Joana. Ela fala com carinho do apoio que recebe da família. “Eles sempre apoiam todas as loucuras que eu invento. Às vezes, até acho minhas ideias um pouco inovadoras demais, mas eles embarcam na viagem e é o que mais me anima”, comenta.

Filha de agricultores, Joana cresceu em meio a roça e sempre realizou atividades relacionadas ao campo. Os  pais da jovem trabalham com gado de leite e de corte, cultivo e possuem um pequeno mercado na comunidade de Guatá, em Lauro Müller-SC, onde vendem os produtos orgânicos produzidos na propriedade. E sair da área rural não está em seus planos. “Não me imagino em um lugar diferente daqui. Tentei morar em outro lugar, mas é como não estar viva, só sobreviver. Sem a roça não sou eu”, ressalta.

Quando resolveu se aventurar e investir no legado da família, Joana sentiu o peso de ser uma jovem empreendedora e contornou com persistência as dificuldades que encontrou na contabilidade, nas ideias “demais” e com dinheiro de menos, bem como nos dias com apenas 24 horas. Ela diz que a receita de seu sucesso é a dedicação. “Tem que ter vontade, tem que tapar os ouvidos quando os palpites vierem, tem que pensar no que você quer deixar pros seus netos também, que está além de dinheiro, está no cuidado com a natureza e com a terra que nos foi emprestada. Se não for assim não adianta. Tem bastante serviço por aí que te remunera por oito horas diárias, eu trabalho 12, 14, mas eu recebo pelo meu sonho e isso ninguém me tira”, finaliza.

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